A ilusão alimentada e o retorno à dura realidade do cacau

Depois de décadas de amargura com preços achatados, o produtor de cacau do sul da Bahia e de outras regiões cacaueiras do mundo experimentou, em 2024, um raro momento de euforia. O mercado foi “pego de surpresa” pela queda drástica da produção africana — resultado de seca, envelhecimento das lavouras, doenças e má gestão. O cacau disparou, atingindo valores históricos que, no Brasil, ultrapassaram R$ 1.000,00 a arroba.
Foi um sopro de esperança. Muitos agricultores nostálgicos dos tempos em que o cacau era tratado como ouro, acreditaram que a bonança havia voltado para ficar. Planos foram feitos, dívidas quitadas, sonhos reacendidos. Poder trocar a velha camionete por uma nova virou realidade. Mas a comemoração durou pouco.
A indústria internacional, formada por três grandes grupos que concentram esmagamento, processamento e fornecimento de derivados do cacau para o setor de chocolates, reagiu rapidamente. Não permitiria que o insumo básico de sua cadeia permanecesse em patamares proibitivos.
E o que aconteceu?
Quando o preço atinge níveis em que a produção de chocolate e derivados se torna inviável para o consumidor, as gigantes do setor reduzem uso, alteram fórmulas, encolhem produtos, substituem parte dos ingredientes e até repensam lançamentos. A demanda encolhe. Isso, somado ao alívio parcial da oferta africana e ao avanço de novos produtores, trouxe o cacau de volta ao patamar de R$ 500,00 a arroba no mercado brasileiro — um valor que mal cobre os custos de quem tenta manter sua lavoura adubada, podada e minimamente rentável.
Além disso, novos polos produtores começam a despontar: América Latina, Sudeste Asiático e até áreas do Cerrado brasileiro que testam o cultivo com tecnologias adaptadas. Essa diversificação da oferta dá mais segurança à indústria e reduz a dependência da África, pressionando ainda mais os preços.
O resultado é um mercado concentrado, regulado não apenas pelas intempéries climáticas, mas pela estratégia de gigantes que ditam regras e margens. Os produtores, em especial os pequenos, ficam reféns de um jogo desigual.
A saída, apontam especialistas e cooperativas, é buscar novos caminhos:
- Venda direta para fabricantes de chocolates, principalmente na Europa, onde há mercado para cacau de qualidade, rastreável e sustentável.
- Agregação de valor local, com produção de massa, nibs e chocolates regionais que capturem parte do valor que hoje escorre para intermediários.
- Organização dos produtores, fortalecendo cooperativas para negociar em bloco e abrir acesso a canais alternativos.
Enquanto isso, na roça de cacau, muitos produtores convivem com a frustração: viram de perto o brilho dourado dos tempos passados, mas rapidamente voltaram à rotina de preços comprimidos que desestimulam o investimento e ameaçam o futuro da lavoura.


